quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Outros Braços

      O conto “Uns Braços” foi adaptado em 2009 para a TV, em um curta metragem homônimo. Para a versão moderna, em filme, fez necessárias algumas alterações no enredo:a D. Severina do curta parece menos coberta e recatada; o Borges menos grosso, etc.
       Para um público moderno, as mudanças conferem maior verossimilhança à história. Ao mesmo tempo, desagrada (e até revolta) a alguns atentos leitores de Machado de Assis que, logicamente, preferem as palavras originais.
       Essencial à construção do conto “Uns Braços” é a sedução que esses “belos e cheios” personagens exercem sobre Inácio, que “não era propriamente menino. Tinha quinze anos feitos e bem feitos”. O garoto “aguentava toda a trabalheira de fora, toda a melancolia da solidão e do silêncio, toda a grosseria do patrão, pela única paga de ver, três vezes por dia, o famoso par de braços.[…] Os braços de D. Severina [que] fechavam-lhe um parêntesis no longo e fastidioso período da vida que levava [...]” . O fato de serem “braços” os objetos sedutores causa estranhamento aos leitores de hoje. A mudança cultural aqui é evidente. Tentemos entendê-la.
       À exposição das partes, segue a despudorização delas. Sobre a causa dessa perceptível tendência à superexposição e à nudez, cabem algumas hipóteses tão maduras e desenvolvidas quanto o princípio de rascunho de buço (penugem) que D. Severina percebeu entre o nariz e a boca do menino Inácio:
  • Influência de clima: no Brasil, nosso espaço geográfico, o clima é tropical. A racionalidade humana vai desenhando roupas mais práticas, confortáveis e leves;
  • Distanciamento cultural em relação à Europa e gradativa “impregnação” de um sentimento nacionalista: o modo de se vestir remete, entre outras coisas, à cultura. Aqui seriamos obrigados a aceitar ter ocorrido uma nova dominação cultural;
  • Simples, fútil e graciosa mudança da moda. Tão simples que dispensa explicações; 
  • O alcance de certa autonomia ideológica por parte das mulheres. Outras preocupações afastaram-nas das tradicionais anteriores: piano, francês e aparências; 
  • A influência da cultura indígena (consciente ou não) nas posturas e nos padrões da atual sociedade. Nesse caso uma enorme ironia porque, hoje, muitos indígenas vestem-se até mais que os não-amarelos;
  • Volta gradativa da inocência cristã presente no Jardim do Éden, entendendo que não conhecer-nos nus é o mesmo que não importar/escandalizar-se. “Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.” Gênesis 3:7. 
      … e há também outras tantas que, ou por serem desrespeitosas ou ou por falta de ânimo em expô-las, omitimos dessa enumeração que já se revela extensa. Pode até ser que alguns Inácios digam que já se cansam e que estas são muitas palavras... Caro leitor, a pressa é inimiga (talvez mortal) da perfeição, nesse caso,de uma boa interpretação. Não se afobe.
       Aos senhores Borges que arquitetam, já aqui, comentários destrutivos por pensarmos de tal ou qual maneira, parem e respirem bem. As hipóteses acima citadas não são, necessariamente, defendidas por nós. Olhemos por aí, estavam esquecidas e malcuidadas... Demos algumas espanadas e coordenamos sem critério. Formam agora uma enumeração, não mais feliz que cada solidão anterior.
       Fluminenses, hoje muito associados à perversão do “funk carioca”, tinham outros padrões em 1870 (quando Inácio vai para a casa do solicitador Borges). Neste mesmo século Sofia e D. Fernanda tiveram que levantar os vestidos para que não os sujassem (Quincas Borba, capítulo 188); a própria D. Severina só deixava os braços “viverem ao ar” por ter gastos todos os vestidos de mangas compridas. A moda era, portanto, outra.
       O processo de exposição cada vez maior do corpo é evidente: nos famosos desfiles carnavalescos brasileiros – muito mais paulistanos e cariocas do que brasileiros – grandes musas agitam-se em seus tapa-sexos, o que é considerado normal pela maioria, afinal é época de alegria e festas... Em clubes e praias, biquínis desfilam graciosamente (ou não) desde Brigitte Bardot - francesa que incentivou o uso das peças que eram consideradas como escandalosas no século passado. Com a liberdade juvenil feminina vieram as “mini roupas”. E o mundo continua, quase nu, mas continua...

Produziram esse trabalho goianos devoradores de pequi (ou não) : Adaiton, O Filho; Andressa L.; Hélio Júnior; Maria Antonieta e Wêdylla Braga.

3 comentários:

  1. “A um crítico”

    Caros críticos,

    Vejam que não estamos mal dizendo a nudez feminina, longe disso, só estamos relatando o processo e tentando exemplificá-lo; não nos venham cobrar conclusões. Não sabemos (Sócrates também diria que não) se essas mudanças culturais terão consequências boas ou ruins. Não sabemos!

    Para não deixá-los ao vago, sem nada para ruminar, aí vai uma conclusão póstuma do Senhor Brás Cubas. Ele concluiu “que a natureza previu a vestidura humana, condição necessária ao desenvolvimento da nossa espécie. A nudez habitual , dada a multiplicação das obras e dos cuidados do indivíduo, tenderia a embotar os sentidos e a retardar os sexos, ao passo que o vestuário, negaceando a natureza, aguça e atrai as vontades, ativa-as, reprodu-las e conseguintemente faz andar a civilização (...)” (Memórias Póstumas de Brás Cubas). Não arriscaremos comentar. Há coisas que não se explica.

    Valha-me Deus! É preciso explicar tudo!

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  2. Também fiquei desaponta com a adaptação feita.

    Na minha opinião, não seria o acréscimo de cenas mais "intimas" - como aquela do espartilho - ou a diminuição do vestido de dona Severina no busto, que faria o telespectador entender, apesar da enorme distancia cultural de época. Afinal chamasse "Uns Braços", que nessa versão perdeu o destaque. Acredito que quem tenha apenas assistido ao filme, não tenha percebido a ligação com esse titulo.

    Achei muito interessante essa analise sobre a moda e até onde chegamos.
    Pablinny

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  3. É verdade que presenciamos uma “tiração de roupa” cada vez mais escancarada em nosso meio social. Isso é consequência das mudanças
    (boas ou não) da mentalidade com relação à mulher. Esta que antes era vista como um objeto
    procriador devendo sua vida sempre a um homem, primeiro ao pai e depois ao marido, sem
    voz, sem ter direito as próprias escolhas. Agora é diferente (pelo menos um pouco) a mulher
    se torna independente para tomar as próprias decisões, tendo liberdade dentro neste meio
    cultural ate para tirar a roupa e andar “pelada” se quiser.
    - O curta metragem é horrível Machado de Assis deve ter se contorcido no caixão!
    Vitória Ingrid

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