Para um público moderno, as mudanças conferem maior verossimilhança à história. Ao mesmo tempo, desagrada (e até revolta) a alguns atentos leitores de Machado de Assis que, logicamente, preferem as palavras originais.
Essencial à construção do conto “Uns Braços” é a sedução que esses “belos e cheios” personagens exercem sobre Inácio, que “não era propriamente menino. Tinha quinze anos feitos e bem feitos”. O garoto “aguentava toda a trabalheira de fora, toda a melancolia da solidão e do silêncio, toda a grosseria do patrão, pela única paga de ver, três vezes por dia, o famoso par de braços.[…] Os braços de D. Severina [que] fechavam-lhe um parêntesis no longo e fastidioso período da vida que levava [...]” . O fato de serem “braços” os objetos sedutores causa estranhamento aos leitores de hoje. A mudança cultural aqui é evidente. Tentemos entendê-la.
À exposição das partes, segue a despudorização delas. Sobre a causa dessa perceptível tendência à superexposição e à nudez, cabem algumas hipóteses tão maduras e desenvolvidas quanto o princípio de rascunho de buço (penugem) que D. Severina percebeu entre o nariz e a boca do menino Inácio:
- Influência de clima: no Brasil, nosso espaço geográfico, o clima é tropical. A racionalidade humana vai desenhando roupas mais práticas, confortáveis e leves;
- Distanciamento cultural em relação à Europa e gradativa “impregnação” de um sentimento nacionalista: o modo de se vestir remete, entre outras coisas, à cultura. Aqui seriamos obrigados a aceitar ter ocorrido uma nova dominação cultural;
- Simples, fútil e graciosa mudança da moda. Tão simples que dispensa explicações;
- O alcance de certa autonomia ideológica por parte das mulheres. Outras preocupações afastaram-nas das tradicionais anteriores: piano, francês e aparências;
- A influência da cultura indígena (consciente ou não) nas posturas e nos padrões da atual sociedade. Nesse caso uma enorme ironia porque, hoje, muitos indígenas vestem-se até mais que os não-amarelos;
- Volta gradativa da inocência cristã presente no Jardim do Éden, entendendo que não conhecer-nos nus é o mesmo que não importar/escandalizar-se. “Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.” Gênesis 3:7.
Aos senhores Borges que arquitetam, já aqui, comentários destrutivos por pensarmos de tal ou qual maneira, parem e respirem bem. As hipóteses acima citadas não são, necessariamente, defendidas por nós. Olhemos por aí, estavam esquecidas e malcuidadas... Demos algumas espanadas e coordenamos sem critério. Formam agora uma enumeração, não mais feliz que cada solidão anterior.
Fluminenses, hoje muito associados à perversão do “funk carioca”, tinham outros padrões em 1870 (quando Inácio vai para a casa do solicitador Borges). Neste mesmo século Sofia e D. Fernanda tiveram que levantar os vestidos para que não os sujassem (Quincas Borba, capítulo 188); a própria D. Severina só deixava os braços “viverem ao ar” por ter gastos todos os vestidos de mangas compridas. A moda era, portanto, outra.
O processo de exposição cada vez maior do corpo é evidente: nos famosos desfiles carnavalescos brasileiros – muito mais paulistanos e cariocas do que brasileiros – grandes musas agitam-se em seus tapa-sexos, o que é considerado normal pela maioria, afinal é época de alegria e festas... Em clubes e praias, biquínis desfilam graciosamente (ou não) desde Brigitte Bardot - francesa que incentivou o uso das peças que eram consideradas como escandalosas no século passado. Com a liberdade juvenil feminina vieram as “mini roupas”. E o mundo continua, quase nu, mas continua...
Produziram esse trabalho goianos devoradores de pequi (ou não) : Adaiton, O Filho; Andressa L.; Hélio Júnior; Maria Antonieta e Wêdylla Braga.